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Abelardo da Hora chega aos 90 anos com estilo



Ele não é uma estátua de bronze, pois é um homem feito de carne e osso, mas pode ser considerado um verdadeiro monumento da cultura brasileira. O pernambucano Abelardo da Hora chega aos 90 anos de idade na próxima quinta-feira (31) como um dos maiores nomes da arte nacional.

Expostas em edifícios e praças públicas, suas obras fazem parte do cotidiano dos recifenses e proporcionam beleza e reflexão para a vida diária. Muitas delas são homenagens a acontecimentos e figuras históricas, cuja importância já é comparável à do próprio artista que as confeccionou em seu ateliê na Rua do Sossego, no Centro do Recife.
Nascido em São Lourenço da Mata, em 1924, Abelardo Germano da Hora alcança nove décadas em pela atividade. “Daria para realizar toda uma exposição apenas com os novos trabalhos que ele fez nos últimos cinco anos”, garante seu filho Abelardo. Sua mais nova criação, por coincidência, será erguida justamente em sua cidade natal. No dia de seu aniversário, o artista inaugura a estátua de um jogador de futebol que ficará exposta permanentemente na Arena Pernambuco.

“É um artilheiro, o camarada que faz os gols, no momento do chute”, descreve o próprio Abelardo. Segundo ele, a estátua é feita de bronze e tem 7,5 metros de altura (a escultura em si tem cinco metros, mais 2,5 metros da base). Seus 90 anos serão oficialmente celebrados na inauguração, às 19h da próxima quinta-feira.
As contribuições públicas de Abelardo, entretanto, não se restringem às estátuas e murais de caráter monumental. Ele já assumiu cargos públicos durante as gestões de prefeitos como Miguel Arraes e Pelópidas Silveira. O artista teve participação direta, por exemplo, na transformação do Sítio da Trindade em um parque voltado para a cultura. “O antigo campo de batalha virou um quartel-general da arte pernambucana”, enfatiza.
Os cinco desejos
Em 2004, quando o Viver publicou uma matéria especial em homenagem aos 80 anos de Abelardo da Hora, o artista pretendia lançar um livro sobre sua trajetória e realizar uma mostra retrospectiva de sua obra. Uma década depois, os dois projetos foram concretizados. O livro foi publicado em 2005, com pesquisa e textos do escritor Weydson Barros Leal (já havia um livro de 1988, organizado por Paulo Bruscky, intitulado Abelardo de todas as horas).

A partir de 2009, a exposição percorreu cinco capitais do Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, João Pessoa e Recife), com 160 peças e 15 toneladas de estátuas (incluindo reproduções dos monumentos espalhados pelo Recife). Os sonhos, contudo, continuam a surgir e há desejos novos e antigos que ainda não foram realizados. Alguns parecem distantes e utópicos, como o fim da miséria no Brasil, outros estão perto da realização, como a reconstrução de duas esculturas destruídas há 50 anos pela ditadura militar no Brasil.

1- Amor e solidariedade na Europa
Amor e solidariedade foi o título da exposição de Abelardo da Hora que circulou pelo Brasil. O artista deseja levar todas as obras para museus da Europa, mas esse projeto tem sido adiado a cada ano, por motivos econômicos, como a própria crise europeia. As esculturas e gravuras passariam por Florença (Itália), Paris (França), Frankfurt (Alemanha) e Bruxelas (Bélgica), onde espaços expositivos já estariam garantidos. Por causa do peso, as peças atravessariam o Atlântico de navio.

2- Reconstrução de obras censuradas na ditadura
Em 1964, Abelardo chegou a ser preso, sob acusação de ter ligações com o comunismo e por ter sido aliado do recém-deposto governador Miguel Arraes. No mesmo ano, duas esculturas do artista foram destruídas pelos militares logo após o golpe. Uma delas era um monumento em homenagem às Ligas Camponesas, erguida no Engenho Galileia (Vitória de Santo Antão). A outra era uma torre de iluminação metálica, com 12 metros de altura, feita com peças que se moviam com o vento. Ela não tinha significados políticos explícitos, mas foi derrubada por supostamente esconder mensagens secretas que contrariavam a ideologia do regime.

Foram queimados ainda 500 exemplares de seu álbum de gravuras Meninos do Recife (a tiragem total era de 1 mil exemplares). A família pretende reconstruir as duas peças em praça pública. A torre deve ser erguida, com apoio da Prefeitura do Recife, até o fim de 2014. A estátua em homenagem aos camponeses ainda depende de negociações, mas uma réplica da obra já foi localizada em São Paulo, no acervo da Fundação Lina Bo e Pietro Maria Bardi.

3- Inauguração do Instituto Abelardo da Hora
Quem passa pela Rua Bispo Cardoso Ayres, no Centro do Recife (bairro da Soledade), já deve estar acostumado a ver um muro com o anúncio do Instituto Abelardo da Hora. A família do artista tenta construir o espaço cultural há dez anos, mas ainda não conseguiu tirar o projeto do papel por falta de patrocínios. “Precisaríamos do apoio de alguma grande companhia nacional. O apoio que as empresas de Pernambuco oferecem não é suficiente para a construção do prédio”, lamenta Abelardo da Hora Filho.

O Instituto não serviria apenas para mostrar as obras do artista permanentemente, pois também teria a função de preservar o conjunto de sua obra, apresentar exposições de convidados e oferecer formação para aprendizes de arte (sobretudo para jovens das redondezas, de bairros como Santo Amaro). A planta arquitetônica, elaborada pelo escritório de Carlos Augusto Lira (assinada por Manoela Muniz Machado e Pedro Lira), chegou a ser premiada na Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo em 2006.

4- Construção de monumento nos arrecifes
Abelardo da Hora elaborou um projeto de monumento que pode ser construído nos arrecifes que formam um dique entre a Bacia do Pina e o Oceano Atlântico, no trecho entre Brasília Teimosa e o restaurante Casa de Banhos (ao norte do Parque das Esculturas de Francisco Brennand). Seria uma espécie de farol, com 12 metros de altura. Uma maquete já foi confeccionada pela equipe do artista.

5- Fim da miséria no Brasil
O fim da miséria no Brasil é o maior sonho de Abelardo da Hora ainda não realizado. Temáticas sociais sempre estiveram presentes em sua obra. A escultura A fome e o brado (1948), por exemplo, chegou a ser levada à Europa. “Eu tenho uma série de trabalhos sobre esse tema, mas o povo brasileiro continua sofrendo”, lamenta o artista, cuja série Meninos do Recife (1962) continua atual. Mesmo assim, ele ainda elogia a atuação de Luís Inácio Lula da Silva na Presidência da República, que homenageou com o monumento aos emigrantes erguido no Parque Dona Lindu: “Foi o melhor presidente que tivemos”.

NOVE DÉCADAS DE SUCESSO
Abelardo da Hora tem uma vida artisticamente tão produtiva que é difícil definir qual foi o período mais importante de sua obra, apesar de sua produção situada entre as décadas de 1940 e 1960 já ser digna de consagração. Como sugeriu o título de sua exposição retrospectiva, o amor a a solidariedade são os eixos de sua poética visual. Mesmo suas famosas esculturas que retratam mulheres voluptuosas espalham um afeto que ganha significado social em um mundo carente de fraternidade.

Na década de 1940, Abelardo da Hora esculpiu A fome e o brado (1948), obra em sua primeira exposição. A preocupação social já estava presente anteriormente, no busto de um ex-escravo chamado Sabino, uma escultura confeccionada em 1944 que só foi mostrada ao público em 2009 na mostra retrospectiva.

São da década de 1950 algumas das gravuras e desenhos mais famosos do artista, que retratam principalmente a dura vida dos trabalhadores brasileiros. No ano de 1953, por exemplo, ele apresenta quadros como Incêndio, Batida de feijão e Enterro de camponês. Em 1956, conclui uma escultura em memória das vítimas da bomba de Hiroshima. Foi também nessa época que começaram a surgir seus monumentos em praças e parques.

Seus dois álbuns de gravura mais conhecidos foram editados na década seguinte, em 1962, com traços expressionistas dotados de profundidade e movimento, associados a temáticas realistas: Danças populares de carnaval e Meninos do Recife. Em 2004, ele voltou ao formato com a série de desenhos Hora de brincar, que retratava brincadeiras populares tradicionais.

A prisão, em 1964, e a perda de sua esposa, em 2010, estão entre os episódios mais tristes de sua biografia. Mas nada o impediu de continuar com seu ritmo intenso de produção em seu ateliê na Rua do Sossego. Apesar de sempre assinar seus trabalhos sozinho, ele também teve sua atuação fortemente ligada a movimentos coletivos como a Sociedade de Arte Moderna (década de 1940) e o Atelier Coletivo (1950), onde conviveu com grandes nomes da arte pernambucana, como Wellington Virgolino, José Cláudio, Wilton de Souza e Gilvan Samico.

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