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'Da Lama ao Caos está no BaianaSystem e em Bacurau', diz Lorena Calábria. Confira a entrevista



A jornalista e apresentadora de TV carioca Lorena Calábria está no Recife para cumprir a agenda do lançamento de Chico Science & Nação Zumbi - Da lama ao caos, novo volume da coleção O livro do disco, da Cobogó Editora. A obra resgata a história envolvendo o clássico álbum, lançado há 25 anos e considerado o marco inicial do movimento manguebeat, que mesclou rock, hip hop, funk com ritmos pernambucanos como maracatu, ciranda e coco. 
 
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A primeira ação será nesta quarta-feira (18) com palestras na Aeso Barros Melo, em Olinda, a partir das 9h30, e no Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), às 15h30. Na quinta-feira (19), Lorena estará no Porto Digital, às 19h. O lançamento oficial será no sábado (21), com sessão de autógrafos na Passa Disco (Rua da Hora, 345, Espinheiro), durante a Feira de Vinil da loja, das 15h às 19h. O evento terá discotecagem de DJ Dolores, Renato L, Murilo França, Patrick Torquato e Jeferson França (irmão de Chico Science). 
 
A pesquisa para o livro foi feita a partir de entrevistas com músicos, parceiros de bandas, familiares e figuras que fizeram parte da trajetória do álbum, resgatando a atmosfera do Recife - e do Brasil - antes e depois de seu impacto. A coleção O livro do disco já lançou publicações sobre A tábua de esmeralda (1974), de Jorge Ben (escrito por Paulo da Costa e Silva), Estudando o samba (1976), de Tom Zé (escrito por Bernardo Oliveira) e Lado B lado A (1999), de O Rappa (escrito por Fred Coelho). Também traduziu obras da editora britânica Bloomsbury sobre discos gringos. 
 

ENTREVISTA - Lorena Calábria, jornalista e apresentadora 
 
Por que escrever sobre Da lama ao caos? 
Eu já conhecia a coleção O livro do disco. Quando me convidaram, eu já sabia que queria escrever sobre Da lama ao caos. Inclusive, fiquei surpresa quando soube que ninguém tinha feito ainda. Essa vontade surgiu quando tive que fazer cobertura de um carnaval de Olinda em 2010. Eu estava chegando na cidade para a transmissão, e o carro não passava em uma ladeira. Pedi a ajuda de um rapaz para passar pelo bloco, que descobri ser o Bloco da Lama. Fiquei com isso na cabeça. Confirmei que o álbum era uma ideia, um conceito que deveríamos abraçar. O convite foi feito em 2014. Eu fiz mais de 60 entrevistas. Queria fugir do óbvio, mas claro que não dava para fugir dos meninos do núcleo do mangue. Mas também busquei pessoas no Rio de Janeiro, como Marcelo D2, Black Alien, BNegão e João Barone. 
 
Você lembra de como foi seu primeiro contato com o universo do mangue? 
Eu li pela primeira vez sobre o manguebeat na revista Bizz, quando cuidava de uma sessão sobre cenas musicais pelo país. Era um texto do José Teles, e confesso que não entendi direito. Que mistura era essa? Fiquei curiosa. Depois, quando estava na TV Cultura, eles foram ao programa Fanzine e pude escutar as gravações. Só vi ao vivo em 1994, no show do lançamento do disco em São Paulo. Achei aquilo muito forte. A presença e a performance de Chico, o jeito que ele cantava, seu carisma. A potência do som, a guitarra do Lúcio, o baixo pulsante de Dengue, as alfaias. Era tudo aquilo junto, não tinha apenas um só destaque. No Sudeste, existiam algumas iniciativas de se aproximar da música brasileira, como as bandas Ira! ou Felini. Mas com tamanha expressividade, só a Nação. 
 
Como o movimento reverberou nacionalmente? 
Influenciou todo mundo, mas não que fizessem parecido ou igual. Isso era difícil, na verdade. Abriu a cabeça de muita gente para ver que era possível olhar mais para seu próprio quintal. Vou dar dois exemplos. O Marcelo D2 disse que foi muito importante uma conversa que teve com o Chico para que pudesse enxergar a cultura de dentro do seu estado. No caso, resultou na junção do rap com o samba. Marcelo foi atrás da batida perfeita dele. Há pouco tempo, quando participei da Bienal do Rio, conversei com o Leoni, que foi compositor do Kid Abelha. Quando tocamos nesse assunto de repercussão, ele disse que a Nação não apenas influenciou as futuras gerações, mas também a geração dele. Os compositores gostavam de música nacional, como o Chico Buarque, mas o que a Nação fez foi como uma libertação. A influência não veio só no som, mas dessa busca de uma linguagem própria sendo brasileiro. Eles mostraram uma outra maneira de olhar o Brasil. Acho que dá para dizer que o Da lama ao caos ainda está no BaianaSystem e em Bacurau. 
 
Qual a analogia que você enxerga com Bacurau? 
Essa maneira de olhar o país, enxergando a beleza onde muita gente não vê, onde a informação não chega tão rápido como nos grandes centros urbanos. Ao mesmo tempo, você vê o espírito da cooperativa. Tudo isso está em Da lama ao caos. Lembro que o Kleber Mendonça Filho ficou muito impactado com o disco na época do lançamento. Ele escreveu um texto muito bonito na Ocupação Chico Science, no Itaú Cultural. Um trecho dizia que as faixas do Chico são muito cinematográficas, ricas em imagens. E de fato são. Inclusive estou louca para rever Bacurau no Recife, preferencialmente no Cinema São Luiz (risos). Quando vi, foi em uma cabine para jornalistas que tinha no máximo cinco repórteres. 
 
Recentemente, uma revista cultural pernambucana afirmou que o manguebeat foi o maior movimento musical do Brasil desde a Tropicália. Você concorda? Consegue fazer um paralelo entre os dois? 
Sobre ser o movimento mais importante desde a Tropicália, sem dúvida alguma. Não acho uma comparação ruim, mas não acho que seja uma nova Tropicália, uma derivação dela. Porém, os dois querem quebrar dogmas e mostrar que existe uma nova maneira de propor música. Ambos abraçam as artes plásticas, a moda e o cinema. Em ambos, também existe essa coisa da antropofagia, de que você pode ser moderno sem negar estrangeirismos, balizando com o regional. 
 
Da lama ao caos foi lançado numa época de mídias “analógicas”. O jornalista tinha o papel de “curador”. Era necessária a mediação dos veículos de comunicação, de líderes de gravadoras. Você acha que um movimento como o manguebeat possa florescer na era digital? 
Acho que não, pois o álbum é o retrato de uma época. Não é que não fosse possível, mas não seria da mesma forma. Nós temos assistido cenas como a do Pará e a da Bahia, mas não é como um movimento. Hoje você tem a chance de gerir seu trabalho, várias maneiras de compartilhar, de consumir, de se comunicar com o público. São vantagens, mas acaba ficando tudo muito disperso. Mas o manguebeat, como movimento, antecipou muitas coisas que vemos nos artistas de hoje: o espírito da cooperativa, a importância de pensar em uma imagem impactante e principalmente a ideia de “antena fincada na lama”, que é a captação de informações do mundo inteiro. Imagina propagar isso no começo dos anos 1990? Hoje é assim que consumimos as informações do mundo. 

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